Era a nossa rotina. O chá preto vinha a fumegar para a mesa e era impressionante a maneira como ela o bebia sem se queimar (quase sempre). Eu alternava entre outros chás (que não me tirassem o sono) ou um copo de leite com chocolate, dependendo da fome. Se era um dia "especial", aqueles em que alguém estava doente, ou às vezes só porque sim, havia bolinhos de chuva, bolinhos que carinhosamente apelidei de "bolinhos de ressuscitar mortos".
Sabíamos que aquele era o nosso momento, íamos tirando as torradas da taça, barrando com manteiga e falando sobre tudo. Muitas vezes, ficávamos sentadas à mesa durante horas. Eu falava sobre a minha escola e ela sobre os assuntos mais interessantes do programa da manhã,ou outros que lia nas revistas.Às vezes, ríamos de tudo e de nada, ríamos por nos estarmos a rir até ficarmos as duas com dores de barriga, ou a tia Luísa chegar e fazer um ar de reprovação.
Não dávamos pelo tempo passar, nem sabíamos a conta de quantas torradas já tínhamos comido e frequentemente até comíamos coisas que "a Cristininha não podia saber" (a minha prima médica) o pacto já havia sido silenciosamente estabelecido há muito tempo e eu não o quebrava.
Depois ela ia ver a sua novela, sentava-se no cadeirão individual e eu fazia-lhe companhia estirada no sofá grande. Eramos peritas em "ver a novela de olhos fechados" e íamos percebendo mais ou menos a história das vezes que uma ou outra ia abrindo os olhos.
Às vezes, quando não havia acordo sobre aquilo que queríamos ver, eu ficava deitada na cama dela, que era a cama mais quentinha e mais bem-feita onde alguma vez estive, era reconfortante e um sono no "forninho" ,como lhe chamávamos,curava qualquer mal.
O mais engraçado, para mim, era a maneira como eu sabia que ela estava a chegar, pelo o som do arrastar da perna pelo corredor, e fingia que estava a dormir, só para ter o prazer de ser acordada com um doce beijo na testa, com cocegas, ou com umas palmadas carinhosas,dependendo do dia.
A minha avó Odete foi avó de muita gente,porque toda a gente queria ser sua neta e todos iam parar a casa da avó onde brincávamos sem restrições sempre sobre o aviso de "não a enervar para não subir os diabetes!" (frase que ouvi vezes sem conta)..
A minha avó Odete rodeou-se de crianças durante toda a sua vida, e ,talvez por isso, foi ela própria a maior criança que alguma vez conheci. E esta talvez tenha sido uma das maiores lições que me deixou.
com amor,
Beatriz*
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