28/01/12

 
 
 
 
(...)
sabes dizer quanto amor tens dentro de ti?um quilo? um litro?
não sabes,pois não?
então esquece a matemática.
inventa o que não existe.
porque o que existe é de todos.
mas se conseguires encontrar o que não existe,ficas com uma coisa só tua.E se alguém perceber o que só tu vês,significa que encontraste uma pessoa que consegue viver-te.
não a deixes fugir!Pára-a!viva-a!conta-a!
as histórias são como as pessoas.
não existem para estarem sozinhas.
noutro sítio do mundo,há-de existir alguém que vive uma história que se reflecte na tua.
olha à tua volta!
essa pessoa não está assim tão longe de ti.
é a outra metade do livro.
não percas tempo a escrever mais páginas...
Procura-a!
o resto,vão escrevê-lo juntos.
porque não há nada mais bonito do que duas históris que se encontram.

por: giulia carcasi,quantas estrelas tem o ceu?

27/01/12

A solidão que pinta a cidade




(trabalho que resulta de um vox pop feito nas ruas da nossa cidade.
Captação de imagem e montagem por:Beatriz Camacho)

21/01/12

 

 O Sotão do Chapitô


O edifício do Chapitô não passa despercebido a quem passa na rua da Costa do Castelo. Este edifício que "acolhe" uma escola de artes bem conhecida pelos Lisboetas,apresenta-se como um espaço privilegiado para  contemplar a cidade, ao fim da tarde, no bar e restaurante em que esta escola se “transforma”.Embora esta escola seja famosa, não só em Portugal, como em todo o mundo, o que muita gente não sabe é que o Chapitô vai muito para além de uma “simples” escola de artes. E que, no cimo do edifício, na Casa do Castelo, vivem Renato, Paulo e Daniel todos eles alunos desta escola.
Paulo relembra o dia em que soube que entrou no Chapitô. Nesse dia, de tão impaciente que estava chegou à escola às oito da manhã. Depois de esperar que a escola abrisse, uma hora depois, viu o seu nome em último lugar da lista dos admitidos. Não coube em si de contentamento, visto que, ter ido parar àquela escola foi uma questão de sorte, porque  não estava preparado fisicamente para as provas de admissão.
Um mundo inteiro de oportunidades logo lhe surgiu à frente com a entrada nesta escola.A partir de então, novos sonhos e objectivos foram surgindo. Para trás ficou o curso de cozinha e de turismo, pela frente um sonho:“Viajar pelo mundo inteiro com uma família de circo”.
Daniel,o mais novo dos três, já teve a oportunidade de viver essa experiência.Com apenas 15 anos, decidiu “fugir” durante o Verão com a companhia de circo que estava na sua terra (Saborosa). Ao princípio, os pais não acharam muita piada à ideia devido ao facto de ser tão novo, mas, agora, já estão habituados e apoiam-lhe em tudo.
Já com Renato foi diferente. Desde os seus 16 anos que sonhava com um lugar nesta escola de artes e a sua vontade e persistência foi tanta que se alistou na marinha a fim de ganhar dinheiro para pagar parte do curso. As suas boas notas, e a bolsa de mérito que recebeu pagaram o resto.
Paulo relembra o quanto foi difícil convencer o pai a assinar a autorização para poder entrar na escola (visto que naquela altura ainda era menor) mas afirma que hoje conta com o apoio da família que no fundo só quer o melhor para ele.
Para quem não teve a sorte de ser apoiado pela família, como Renato, pode contar com o apoio de uma outra família, a família  chapitô. “A minha família queria que eu fosse engenheiro ou médico e não um palhaço porque as pessoas pensam que quem vai para o Chapitô é um palhaço”.

Para Daniel Lisboa era uma cidade distante por ele (pouco) conhecida nas poucas visitas de estudo que veio fazer. Veio para Lisboa atrás do sonho de conseguir um lugar ao sol na sua praia: a das artes circenses.
Entrar para o Chapitô não foi difícil devido ao facto de já fazer feiras medievais há algum tempo. Mais difícil foi gerir a liberdade. “Dicidi dar uma festa de Halloween lá em minha casa, depois fomos expulsos, e não tinha dinheiro nem sítio para ficar”. Foi nessa altura que o Chapitô lhe abriu as portas da casa do Castelo e lhe deu trabalho no Restô (restaurante do Chapitô). Ao inicio, Daniel não gostou muito da ideia e sentia-se descriminado porque ”Os alunos do Chapitô vêm a casa muito diferente do que ela é por ser da acção social, colocam logo o rótulo de prisão”, afirma Daniel que agora não se imagina a viver noutro lugar.
Paulo desmistifica logo esse preconceito existente entre os outros alunos:”Viver nesta casa é óptimo” . Este jovem está consciente de que o projecto de acção social lhe trouxe oportunidades que certamente nunca mais terá na vida. Viver naquela casa não só lhe facilitou a vida a nível financeiro, como contribuiu para o seu desenvolvimento pessoal porque começou a ganhar independência, de uma forma gradual, contando sempre com a ajuda de técnicos prontos para o apoiar. Paulo não pensa em viver noutro lugar e sabe que ali está bem melhor do que em Sintra onde vivia, “Aqui cada um de nós tem 30 euros por semana para comprar comida” .
Renato olha para os seus colegas e diz: “eles não são meus colegas, são meus irmãos”. Este artista conta já com três anos na casa do castelo e relembra a maneira como foi acolhido “Saí de um bairro social e as pessoas do Chapitô, que nem me conheciam, deram-me um voto de confiança que nem a minha família me deu”. Depois de estar na casa foi ganhando a confiança e o carinho das pessoas que lá trabalhavam e conseguiu arranjar trabalho.
As ligações entre eles e o ambiente na casa é incrível os três justificam-se dizendo que os artistas são mais receptivos e abertos, e isso é que faz do Chapitô uma escola diferente das outras é poderem estar na esplanada a falar com um professor que é como se fosse um irmão. São sem dúvida laços fortes que os unem, tão fortes queDaniel chega mesmo a afirmar:”Eu não gosto de Lisboa, prefiro a minha terrinha, mas agora já me custa deixar isto, devido às ligações que aqui fiz”.
Todas as noites reúnem-se à volta da mesa para partilhar a refeição, com sorte feita por Paulo (eleito o melhor cozinheiro). Antes de começarem a comer, não se esquecem de agradecer àquela que lhes abriu um futuro bem melhor do que aquele que imaginavam.Com vozes firmes ouvimos soar por toda a casa: “obrigada Teté.”

A cidade de olhos fechados

  Para eles o som de Lisboa é inconfundível. É como a vêm, como a admiram, como se orientam. Pelo som, pelo olfacto, pela trepidação,pelos tropeções nas barreiras físicas e pelos canos nas paredes. É esta Lisboa que se apresenta aos “olhos” de quem não a vê descrita pelos três reformados num pequeno pátio sem Santa Marta.

Um pátio em Santa Marta
É num pequeno pátio em santa Marta que Alfredo, Zé e Benjamin se encontram para jogar às cartas e ao dominó. Sem pressas, vão queimando os cartuxos de mais um dia de reformados na cidade de Lisboa, mais um dia bem passado à sombra de uma boa companhia.
O ambiente é agradável neste pátio que funciona como centro social da ACAPO (Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal). Flores, mesas, cadeiras, um bar e uma área de sombra preenchem este espaço fisicamente. Gargalhadas e conversas sobre futebol são o barulho de fundo. Num placard, que cobre uma parede inteira, pode-se ver anunciados vários eventos culturais, os quais não parecem ser apelativos o suficiente para cativar estes três senhores.
Alfredo e Benjamin têm em comum o facto de serem cegos e de terem escolhido Lisboa para viverem após terem cegado, mas diferem no sentimento que têm em relação à cidade.
Embora tenha vindo para Lisboa e resida na capital há 45 anos, Alfredo não gosta de viver na capital, apontando como argumento o facto de haver muita poluição. “Eu sou galo do campo e não galinha da cidade”. Alfredo fala da sua terra em Marco de Canavezes com nostalgia, mas não tenciona lá voltar ,“Só lá voltei uma vez porque não tenho coragem para enfrentar a população aldeã”.

Pode parecer contraditório devido à falta de acessibilidades  e à quantidade de barreiras arquitectónicas que se encontra Lisboa consequência do urbanismo, mas para estes três senhores nem se põe em causa : Lisboa é um bom refugio para quem não vê, há maior cooperação, inter –ajuda, mais alternativas e integração .
Que o diga Benjamim residente em Lisboa há 45 anos que não se imagina a viver em outro sítio qualquer.  Benjamim nasceu nos Açores e veio para Lisboa quando cegou para se reabilitar e começar a trabalhar. “Na aldeia ninguém nos passa cartão, aqui em Lisboa as pessoas estão mais habituadas aos deficientes porque existem muitos”.
Quanto a José só tem de atravessar o rio para chegar a casa (que fica no Barreiro) mas, e apesar de estar ali tão perto, vem para Lisboa todos os dias porque se sente menos discriminado e lá não tem “as coisas que tem em Lisboa”.

Insegurança e novas mentalidades
Tudo se transforma com o passar do tempo. Aos olhos de todos nós a cidade foi-se transformando. Desde novos prédios, a ruas, praças e estátuas.Para quem a sente, sente medo e insegurança nesta nova Lisboa, as ruas tornaram-se perigosas e as tardes de farra mais pequenas. Benjamim lembra com saudade os tempos em que saía à meia-noite do pátio do número 23 em Santa Marta e chegava à casa pela uma da manhã. Agora, todo o cuidado é pouco e o mais tardar às sete horas tem de estar a chegar a casa.
Alfredo relembra os tempos passados em que descia a bela Avenida da Liberdade com a bengala atrás das costas e desfrutava de um agradável passeio pela cidade. “Agora tenho de levar quatro bengalas se me quiser defender de tudo”.
Mas nem tudo é mau nesta cidade em transformação. A cidade transforma-se e com ela as mentalidades da sua gente principalmente da gente jovem. “Há 60 ou 70 anos era um cair de muro falar com uma pessoa cega assim frente a frente” , diz Benjamim. Deixando notar ainda o sotaque açoriano acrescenta ainda que os jovens lá da sua zona (portas de Benfica) até lhe vêm dar o braço sem quaisquer complicações, complexos ou insegurança. Já começa a ser natural.
Complexa é a palavra que os três escolheram para definir Lisboa. A explicação é óbvia com tanta gente, prédios e obstáculos, e, por outro lado, a concentração de oportunidades e alternativas e a normalidade. Para Benjamim que tanto amor tem pela capital, Lisboa é Portugal e não existe mais nada para além desta cidade.
Cidade pela qual tantos lutam para ser acessível a todos, mas que no fundo abriga, como um oásis, todos quanto a procuram por ser mais acessível; como os reformados do pátio de Santa Marta.
Ainda assim, estes jovens de ontem apostam nos jovens de hoje para a mudança que é precisa na cidade, quantoa tudo o que tenha que ver com política a opinião é apenas uma: “Falam muito, mas não fazem nada”.
Benjamim, José e Alfredo conhecem a cidade de olhos fechados e, embora não consigam aceder, sozinhos, a todos os sítiosonde gostam de estar,  para eles o único requisito que precisam para que um sítio seja agradável  é ter como companheiros as árvores e não betão armado. Parece difícil encontrar um sítio assim em Lisboa, mas depressa me enumeram uma série de locais: Belém, a estufa-fria e a zona da Expo.
Apesar de gostarem de todos estes sítios é no pátio do número 23 em Santa Marta onde mais se sentem refugiados longe dos olhares inoportunos da gente da cidade que vai mudando a pouco e pouco e tornando-se ainda mais aberta.
“O engraçado de Lisboa é que é difícil encontrar um lisboeta”, afirma Alfredo. Olhando para quem está no pátio, não é difícil de perceber esta afirmação porque embora todos tenham escolhido Lisboa para viver devido à sua condição, nenhum dos que ali se encontra nasceu na capital.
Para quem não vê a cidade sente-a,nem sempre da melhor forma principalmente quando se sente a dor no corpo quando se embate nos postes que aparecem onde não deviam de estar.
Na Rua onde vivo

Todas as noites um grande número de voluntários saem à rua na
esperança de poderem colmatar, de alguma forma, as falhas do sistema.
Consigo levam a esperança de conseguirem construir estruturas de apoio, levam  tempo e disponibilidade.Numa época em que se prevê que a exclusão social aumente devido à situação económica do país, são estas as pessoas que fazem a diferença na
realidade ao seu alcance.

Entre eles há quem apenas se faça munir de chá que conforta o estômago e de uma boa dose de conversa que aquece a alma.São apenas ”distribuidores de palavras” que integram um projecto cujo objectivo é acabar com a solidão, Voluntários que fazem de um sem abrigo um amigo verdadeiro.
Nas rua já todos se conhecem pelo nome, e aos sábados, quando chegam estes voluntários, os sítios onde ficam a conversar enchem-se de sons agradáveis e risadas,sons de uma autentica “casa sem paredes”.
Do outro lado da rua está o “outro” a quem se dirigem, os habitantes das ruas da cidade. Homens e mulheres de todas as idades e géneros que dormem sobe o tecto embaciado do céu da grande Lisboa.São eles que esperam ansiosamente pela chegada dos voluntários que recebem em sua “casa”, esperam por alguém que os faça sorrir e esquecer por momentos que já não têm quase nada.
Senhor Nelson conhece bem este céu, conhece bem as ruas da cidade, o chão onde dorme há mais de cinco anos. Tem 60 anos e há dois anos atrás trocou as Arcadas do Terreiro do Paço ,onde dormia juntamente com outras pessoas sem-abrigo, pelo Largo do Caldas. Não teve escolha, visto que a Câmara
Municipal de Lisboa expulsou-os a todos.
Foi ainda nos tempos em que dormia nas arcadas, que conheceu Duarte e outros voluntários, ainda o projecto ia no início. A memória já lhe vai faltando, mas recorda com alegria o primeiro dia em que “alguém se sentou à [sua] beira e [tiveram] duas horas a dialogar e a trocar impressões”.
Durante todos estes anos de projecto, senhor Nelson foi recebendo todos os sábados à noite  de quinze em quinze dias, e sem falhas, a visita e presença de voluntários que ainda continuam a  vir para falar com ele. De todos eles houve alguns com quem estabeleceu laços mais fortes, porque lhe foram mais familiares e afectivos, “Mas todos são muito humildes e simpáticos e são bem-vindos [porque o que fazem] é um enriquecimento de humanismo”, acrescenta.
De todos, ficarão marcados para sempre aqueles que já por duas vezes lhe vieram trazer um bolo e cantar os parabéns no seu dia de anos. Assim como a voluntária Margarida que a título individual ( não era uma actividade do projecto) levou o senhor Nelson ao teatro de revista. Desse dia lembra-se ele muito bem “foi no dia 11 de Dezembro e fomos almoçar as portas de Santo Antão e às 16horas fomos ao teatro”.
Foi a segunda vez que foi ao teatro em toda a sua vida que já vai longa: “Gostei imenso e fiquei muito contente. Não tenho vida para frequentar o teatro”, afirma.
Passaram-se alguns anos, e o senhor Nelson contínua a dormir na rua.O objectivo do projecto não foi tirá-lo de lá, mas promover-lhe momentos de felicidade, aliviar a dor física do seu pé e a dor da sua alma com dois dedos de conversa.